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quinta-feira, 17 de março de 2005

Que teria dito Oakeshott sobre o 09/11?

Oakeshott sempre denunciou o móbil científico, ideológico ou social que pudesse gerar a ilusão de uma perfectibilidade salvífica, ou tão-só só a enunciação de evoluções ditas necessárias. De algum modo, na óptica do autor, o tempo da história e do devir acabaria antes por gravar-se nas disposições que se fossem pragmaticamente conservando (instituições, hábitos, discursos, etc.). Da mesma maneira que uma moeda é aceite enquanto tem valor, já o dizia Peirce, também muitas instituições sociais acabariam por acatar essa mesma inclinação, esse mesmo acomodamento, esse mesmo conforto. Mas não seria dramático encarar grandes mudanças e mesmo transições drásticas, desde que não impostas por mecanismos de "engenharia social", guiados por esquemas ou caricaturas simplificadoras.
Creio que há aqui um interessantíssimo pragmatismo que transcende a antiga metafísica conservadora, sempre presa à imanência e à transcendência de todo o tipo de legados. Em Oakeshott, há um certo prenúncio do tempo que o autor nunca chegou a viver. Pode até dizer-se que a desagregação deleuzeana é observada por Oakeshott a partir da agregação. O que em Deleuze é prenúncio da futura rede (o rizoma, a transversabilidade autónoma entre sistemas, o devir) é em Oakeshott o sintoma de tudo aquilo que resulta e que se conserva para além desse jogo teórico: o presente, um agora-aqui desligado da ficcionalidade linear e ideológica do destino.
É pena que Oakeshott não tenha tido a oportunidade de testemunhar a ponta final do século XX. Há nessa ponta final dois aspectos centrais que têm sido o ponto de partida de alguns dos meus livros. Por um lado, a entrada em cena, na prática, de uma nova hipertecnologia global e, por outro lado, a falência radical dos chamados grandes códigos referenciais que, desde o alvor da modernidade, haviam mobilizado verticalmente os diferentes sectores das sociedades ocidentais.
Neste novo tempo, o modo instantâneo com que histórica e insistentemente se exigiram e reivindicaram os mais variados "pontos-ómega" (o desígnio da perfectibilidade - a expressão é de Chardin) escatológicos, utópicos ou ideológicos (fossem os seus agentes Fraticelli, Jacobinos ou revoltosos de Conrad) regressa agora ao coração do presente e acaba por projectar-se nesse novo mise en abîme que é o simulacro dos aparelhamentos contemporâneos. O futuro desenhado por esses "grandes códigos" esvai-se e, simultaneamente, reflui em direcção ao presente povoando-o, pacificando-o e desligando-o da revolução em nome de uma pura ficcionalidade.
O corpo, os fluxos e a rede tornam-se em peças de um novo jogo social que fez da década de noventa um espaço diferente, respirável, são e carregado de positividade.
E, depois, é essa a minha maior curiosidade, que teria dito Oakeshott acerca do 09/11?