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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2005

Jogo - 1 (mostrar a vida privada?)

Aforismo: “Mostrar em público a própria vida privada é coisa de quem não tem vida privada”.
Comentário: Um instrumento que (no mundo) sirva para "mostrar" já está referido a qualquer coisa antecipadamente.
Esse instrumento e/ou essa ferramenta "mostram" sempre aquilo que um contexto determina que possa e deva ser "mostrado".
Um guia de viagens ou uma lista telefónica funcionam assim. São de certa forma programados.
Mas, por outro lado, não há nenhuma determinação que condicione a "mostrar" o que pode ser "mostrado", quando se fala de “vida privada”. Precisamente porque a vida privada é um amplexo, ou é algo que não pode ser sequer descrito, ou é uma entidade e não propriamente um organismo delimitado que, por isso mesmo, escapa à capacidade redutora de a linguagem o traduzir na plenitude (com a excepção para a incursão de natureza poética, para a qual o comum e o incomum dos políticos, e mesmo quase todos os mortais, convenhamos, não denotam particulares aptidões).
O acto de "mostrar" “y”, entendendo “y” como a complexidade que a vida privada apresenta, corresponde seja ao que for menos a uma propriedade de “y”. Nesta medida, por mais que se tente "mostrar" “y”, este “y” persistirá sendo o que é, ou flutuando na ordem com que flutua.
Neste tipo de casos complexos, como o é o caso da “vida privada”, "mostra-se" sobretudo a linguagem que procuraria "mostrar" “y”, mas é certo e sabido que o determinante de “y” repousará no seu enquadramento, no seu ambiente neonatal e na sua ocultação, afinal.
É por isso que ninguém vê a vida privada de Santana Lopes ou de Sócrates ou de Portas, por mais que os média desenterrem, voluntária ou involuntariamente, partes dessas virtualidades.
É antes o jogo criado em torno dessa “realidade” (criada pelo agregado de N imagens que tentam “mostrar” “y”) que pressupõe a lide que faz aparecer, no quotidiano, a ilusão dos tais “castigos”, prémios, críticas, boatos, denodos, vergonhas, insultos, rumores e outros pandemónios conhecidos e, já agora, muito tristemente em voga.