O Benfiquismo - 3
Os benfiquistas têm uma compaixão incomparável. Nutrem pela sua equipa um facílimo desdém ao fim de meia hora de jogo se a coisa não calibra, mas ajoelham-se diante dos deuses do futebol se a águia relembra, por segundos que seja, os tempos áureos. Não há meio termo. Ou o declive quase sem fim, ou a ascese pouco temperada. Ou o Olimpo com vista para a Bursa otomana, ou a estepe árida com vista para esqueleto de bicho. No meio fica o jogo, o desaire, a mediania, o quadro electrónico empatando, o tempo de desconto, o fora de jogo, fora do planeta, numa palavra: a desmesurada espera.
Não há espera igual à de um Benfiquista, confesse-se. E há razões várias para esta especificidade. Por um lado, a ausência de alimento que uma equipa destas necessita como de pão para a boca: vitórias, títulos. Muitos e incessantes títulos. Por outro lado, a presença excessiva, exagerada, sem fronteiras da convicção. Sim, da convicção. Uma convicção de aço, benfiquista. Mas pouco mais do que isso. Até porque seria preciso expiar para tentar explicar essa convicção. Para a domesticar e para a entender. Seja como for, uma convicção inabalável. Da cor de sangue de boi, mas revestida por um inverno longo, um inverno que dura há mais de uma década. Sem parar, como um comprido túnel de neve sem fio de luz no horizonte. E, apesar de tanta agrura, a espera. Sempre essa ravina sem dó que acaba todos os anos com o soluçar da mesma palavra: a espera.
A compaixão é, pois, um acto normal que, para qualquer bom benfiquista, faz parte da espera. Saber esperar, saber respirar compassadamente. Porque é ela, a compaixão, que impede o ditado popular - quem espera desespera - de ser verdade. Na arena do Benfica ninguém desespera, ninguém desalenta, apenas espera. Por compaixão. Essa forma matreira de impedir o tédio no jogo e de afastar as manhas mafarricas da má arbitragem. Há, de facto, sentimentos incomparáveis nos benfiquistas. Dignos como o elefante na montanha. Um por todos e todos por um. Fazer da espera um império, uma consagração, uma apoteose memorial. E acreditar na espera, sempre, como Rómulo acreditou em Roma. Um dia há-de acontecer.