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terça-feira, 25 de janeiro de 2005

O Benfiquismo - 2

Só no Benfica é que se anunciam jogadores novos, durante semanas e semanas, como se fossem cosmonautas saídos de uma epopeia maior. E depois não chegam, não aterram na Portela. E toda a gente sabe que assim é. Mas o frémito, essa espécie de raro entusiasmo que se recicla todos os sete dias, esse, não pára. Nem cede. Para o pior e para o melhor. Até porque o verdadeiro benfiquista é aquele que sabe olhar para o céu e nele desvenda sinais maiores. Encantatórios: por exemplo, cometas avermelhados que prenunciam a vitória no simples verbo das entrevistas, nas manchetes dos jornais, nos escândalos prometedores, nas desavenças menos explicáveis e até mesmo na revisitação quotidiana da grandeza histórica do clube.
Existe entre o adepto e o Benfica aquela vertigem que ligou, um dia, Cléopatra e Marco António no promontório de Accio, independentemente do sangue vertido e dos campeonatos e vidas ameaçados de costa a costa. Perdidos por cem ou por mil, na senda de um ponto-ómega certo, os benfiquistas caminham para a catedral com esse frémito antigo e com esse grito de batalha das velhas gestas sem limite, mas sem terem em conta a real dimensão em que navegam. E quando confrontados com o relvado, com os lances, com os passes, com o intenso dramatismo do jogo, os benfiquistas admitem então sofrer e não hesitam em mergulhar a âncora da exaltação como se houvesse males que são, afinal, segredos bem guardados da natureza. Mas, diga-se, males apenas próprios dos heróis.
É por isso que o sofrimento benfiquista não é um sofrimento qualquer. Traz atrás de si o inexplicável, o insondável, o irremediável. Há uma filosofia profunda no Benfica que alia a mística do clube aos resultados palpáveis. É uma filosofia do desconcerto. É uma metafísica que transforma a crença, não em querela, mas em algum delírio. Uma onda que não cessa e que tem de miragem o mesmo que terá de força. Mas nada a evita e nada nela indicia, também, qualquer quebra de persistência ou de vontade. O ânimo de um benfiquista tem hoje um substrato de sofrimento cristalizado até à raiz. É como uma planta com pouca água, mas viçosa, vermelha e secreta. Melhor dito: sedenta e ansiosa pelo inferno que a faria rejuvenescer, um dia, na Luz.