A palavra a Mário Cláudio
Luísa Ferreira
Como director de um jornal de artes e letras pouco conhecido, mas que, mesmo assim, teve três belos anos de vida (& O Mais, 1994-1997), propus a vários escritores que respondessem a um inquérito, no número 4 da publicação (Setembro/Outubro de 1994), cujo tema central era: "Literatura portuguesa dos últimos vinte anos: que balanço?". Mário Cláudio respondeu às três perguntas do inquérito. Deixo aqui, agora, como homenagem ao hoje justamente galardoado com o Prémio Pessoa, a sua quase inédita resposta à segunda pergunta e que era: "Que temas gerais e universais foram nos últimos vinte anos recuperados na nossa literatura?"
Eis o singularíssimo texto de Mário Cláudio:
"Entendo que, na literatura, em globo, e na portuguesa, também, se fez sentir o sopro de um vento renovador, contra o peso da vária inércia de sempre, capaz de dinamizar a presença do sonho, e de conferir estatuto à magia, ao confessar a convicção na salubridade possível, numa era de múltiplas e desenfreadas poluições. A queda dos sistemas estruturados de fora para dentro, os quais encaravam a liberdade, afinal, como aplicação de uma conjuntura livresca, e a alternativa criada, desde há pouco, o tal paradigma, por uma atitude que abre a porta ao milagre, permitindo encarar a existência, em conclusão, para além da dialéctica vida-morte, deixariam iniludível rasto, bem inesperado, não raro, na produção literária nacional. Será provável que não beneficiem, com tal mudança, os criadores que se esforçam por não perder o comboio, e se afadigam, ainda, na venda incessante da imagem que lhes coube, mas eis que do calado triunfo das minorias se trata, em regra, quando a multidão vociferante não logra perceber o alarido da própria voz."
Parabéns, Mário Cláudio!