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terça-feira, 7 de dezembro de 2004

Convite à viagem

O meu ex-aluno Bruno Ribeiro escreveu-me do sul das Américas:

Seguimos nesta viagem por terras que queimam a pele. A Península de Paracas juntava um largo deserto de areia e rochas avermelhadas ao frio do Pacífico. Depois de visitarmos as ilhas das "balestas", onde leões marinhos conviviam com pinguins e outras aves marítimas, negociámos um transporte para atravessarmos o árido e quente território da reserva natural. O taxista tinha uma camisa azul, era bem disposto e, ao endireitar o espelho, distraiu-se e bateu contra uma das grandes pedras lascadas que se aglomeravam ao longo do caminho. Depois das reparações visitámos praias desertas, uma delas que nos levou até à catedral, uma formaçao rochosa, altiva, com gruta em abóboda, estilo "renascentista". Vimos uma praia vermelha, que contrastava com a arriba amarela e com o verde do mar. Nao houve uma noite igual. Numa madrugada, acordámos com um pequeno terramoto, que fez estremecer as delgadas paredes de platex do quarto. Em Pisco, entre a Praça de Belém e a Praça de Armas, circulámos e fomos criando pequenos hábitos. Em Nasca, vimos os geóglifos num miradouro de metal na berma da Estrada Pan-Americana. Grandes figuras realizadas para agradecer aos deuses as colheitas e a água. Maria Reiche teorizou que as linhas (algumas chegam a atingir dezenas de quilómetros) serviriam para esta cultura marcar um calendário destinado à agricultura. Falámos com pessoas que trabalham actualmente nas escavações da cidade de Cahuachi, a cidade perdida - fundada 300 anos a.C. - que recebeu as culturas Inca, Nasca e Huari. Disseram-nos que as maiores figuras tinham sido erigidas por ordem de sacerdortes para rituais onde se dançava e oferendava, ao longo das linhas que as compunham. Entrámos numa parte interdita, naquela que foi a entrada principal de Cahuachi. Pensámos na "cidade dos imortais" de Borges, ou em algo mais grandioso. Fomos também ao cemitário de Chauchilla e ouvimos como o vento sopra nos ossos (sem metáforas); vimos como há tanto para descobrir, conservar e compreender. Passámos pela maior duna de areia das Américas e parámos nos aquedutos, em diagonal. Aqui outras histórias...a uma hora de Nasca, chegámos a Lomas, uma aldeia de pescadores, com uma das praias mais limpas da zona. À sombra estavam mais de trinta graus. As casas de madeira, o cheiro a algas, os pequenos-almoços de peixe fresco, os sumos de goiaba e ananás. Chegámos entretanto a Arequipa. Foi uma noite inteira de viagem, num autocarro cheio de gente, que passava bem rente às bermas das falésias andinas. À frente, só nevoeiro e, em baixo, um mar profundo negro. Fechámos os olhos. Mas chegámos.

Oxalá envies mais novas, Bruno!