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segunda-feira, 1 de novembro de 2004

O sorrisinho

"O Parlamento é o caso típico de uma instituição que cedeu tudo, mas tudo, no acessório. Em contrapartida, quando se vê o tom dos debates parlamentares, em que 80, 90 por cento dos deputados literalmente berram uns com os outros, são incapazes de intervir raciocinando, percebe-se que estão sempre em exibição porque sabem que a opinião pública está a ver. Insultam-se e, quando acabam, fazem um pequeno sorrisinho. Temos o caso interessante do ministro Paulo Portas que quando acaba um "sound-byte", uma frase que vem preparada, nunca resiste a fazer um pequeno sorriso, como quem diz. "e esta, hem?"."

É António Barreto quem o diz. E bem. Entre a encenação e o voyeurismo indígena, sempre sobra, em plena catadupa, um tique malandrote, um aceno pacóvio e um sorriso envernizado. Terá sido sempre assim, creio eu, embora com duas diferenças fundamentais.
Por um lado, aquilo que funciona hoje em dia em tempo real tende sempre a evidenciar o que antes se suprimia da grande montagem do mundo.
Por outro lado, o tempo do discurso que raciocina deixou de aparecer (i.e. deixou de ser visível) nos interfaces do poder, pela simples razão de que uma quota bem razoável do exercício do poder se passou a confundir, em grande parte, com a própria visibilidade dos seus protagonistas (quem se dá ao trabalho, por exemplo, de ver as TVs dos parlamentos?)
De algum modo, a Quinta das Celebridades assenta nas mesmas características, mas, perversamente, é o modelo desta que acaba por emprestar a natureza ao funcionamento das instituições. Ou seja, também na Quinta se evidencia o caricato e, por outro lado, faz-se do espectáculo a própria visibilidade do tempo corrente (com inevitáveis encenações estratégicas com origem na produção; nas instituições, a produção tem o nome dos partidos, dos sindicatos e de outras entidades inevitavel e retoricamente activas).
É por isso que os estigmas da nossa vida política, que foram subitamente trazidos para a ribalta e para o calor dos holofotes, não passam de estilhaços menores da realidade, cuja finalidade é, ao fim e ao cabo, serem vistas e admiradas como quem olha com curiosidade e espanto mórbidos para uma simulação da anatomia do seu próprio corpo.