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quarta-feira, 13 de outubro de 2004

Universidades e anúncios luminosos

O país rural de há quarenta anos, entre os ciclos migratórios mais variados, acabou por sentir uma atracção irresistível pelas periferias urbanas criadas na foz do Tejo e do Douro. Basta olhar para o país e ver o espectáculo de tal atrofia. De resto, o velho Portugal pequenino dos concelhos medievais pouco tinha para oferecer. Pequenas cidades, hábitos fechados, rotinas de corte da aldeia, horizontes diminutos. Ainda hoje, depois de alguma euforia das chamadas “cidades médias” nas últimas duas décadas, a verdade é que, fora da influência das áreas urbanas de Lisboa e Porto, são raríssimas as cidades com mais de cem mil habitantes e contam-se pelos dedos de uma mão as que, no seu espaço estritamente urbano, têm mais de cinquenta mil habitantes.
Talvez por isso mesmo, um certo novo-riquismo de raiz ruralizante passou a desenvolver, nos últimos anos, um conceito de cidade-fachada que, pretensa e ilusoriamente, garantiria aos locais e aos visitantes uma auto-imagem reconfortante de vida urbana. Ou seja, indo a exemplos concretos, no tempo de Salazar bastava ostentar, numa cidadezinha, o Liceu, o Palácio da Justiça, os Correios e o edifício da Assistência Nacional aos Tuberculosos (Braga tinha ainda um estádio e Coimbra o Portugal dos Pequeninos). Havia menos exigência. Mas hoje, a nova cultura de cidade-fachada impõe, pelo menos, um ou dois chamados hipermercados, umas circulares com quatro pistas, um pomposo Parque Urbano, umas piscinas novas, um estádio municipal e sobretudo uma casa muito grande, no centro das cidade, se possível, onde apareça escrita a palavra “Universidade” (independentemente do que se passe lá dentro: boxe, danças de salão, debates dobre didáctica dos média, criação de capas e batinas, lançamentos do dardo ou prática de fitness). É assim, hoje em dia, os descendentes da ruralidade mais atávica querem ter uma universidade em cada rua. Fica bem e deverá dar alguma auto-confiança, presumo eu.
O mais grave é que o conluio dos votos entre o poder central e algum poder local tem resultado em promessas de universidades: foi Viseu, foi Bragança e, agora, à presumível boleia de Bolonha (Bolonha é um nome que, nos dias de hoje, dá para tudo) já se fala nas Universidades Politécnicas.
Contra esta estranhíssima tendência expansionista, a que falta amiúde a massa crítica adequada (sejamos sérios!), deve dizer-se que grande parte das actuais universidades públicas espalhadas pelo país tem a tendência para se converter em pura espuma. Isto é: cada vez há menos alunos e, por outro lado, cada vez se irá exigir, em conformidade, uma maior engenharia para enquadrar (e pagar) o desmesurado número de professores existente. É assim a realidade e ninguém deve temer que a mesma se pronuncie em voz alta, independentemente das novas vocações para a formação contínua, para o regime de pós-graduações e complementos e para o espaço imaginativo que venha a aprofundar a ligação entre as universidades e a rede tecnológica.
Na crise actual - a que o país parece querer reagir em fuga para a frente -, o diagnóstico mais realista está confinado a uma inevitável e progressiva racionalização a que não escapa a necessidade de avaliação independente, a discriminação positiva onde haja investigação a sério e, por fim, a convicção de que, entre as universidades privadas, só realmente as muito boas acabarão por sobreviver a curto e médio prazo (não acontecendo, já agora, o mesmo a certas universidades públicas por serem os nossos impostos que as sustêm).
Neste âmbito, como podem ainda os pitorescos da política continuar a não resistir a reivindicações completamente terceiro-mundistas?
Se o precioso esteio da democracia é, de facto, a defesa dos direitos, garantias e liberdades, cada vez mais vamos todos tendo a consciência de que a geografia pacóvia do voto nem sempre é bom conselheiro para o sadio ordenamento do país. No fundo, no fundo, o que pesa sobre Portugal é ainda a fraca interiorização do que verdadeiramente é, no dia a dia, uma sociedade aberta. Daí ainda a importância excessiva do localismo, das reivindicações à imagem da “terrinha” e da ilusão do debate aberto face ao subterfúgio ruralizante da cidade-fachada.