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quarta-feira, 18 de agosto de 2004

Ficcionalidades de prata – 40


(Backstage at the Folies-Bergere, Brassai, 1933)

O que vê, quando vê durante a noite, não passa de uma assombração na paisagem que a torna igual ao fundo onde, há muito, foi recortada. Por trás do palco, esse assombro espantado consigo mesmo tem o nome de nudez. Uma máscara a flagelar e a iluminar a densidade do sangue que forma a face e paralisa o gesto. E por isso o parecer implanta o ser e dá aos espelhos da alma a mesma aragem nocturna que se perde na magia das grutas. Olha em frente, quando entra em palco, e já não vê ninguém. Nada do que vislumbra consegue encarnar a comoção da sua própria obscuridade. Confunde-se com o fundo e chama a si o ar que respira como se fosse, todo ele, a noite. A noite de sempre, espalhada pelos membros, pelo peito e pela inaudita evidência da nudez. A entrega é o assombro do actor e, no seu repouso, cruzam-se, ao mesmo tempo, o inferno, o céu e o limbo. O gelo, a carne e a gruta. Quando vê, já há muito recortou a luz à face e a sombra ao corpo.