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segunda-feira, 19 de julho de 2004

Divertimentos  - 1
 
A vida política portuguesa vai ter nos próximos tempos um dado novo: o divertimento. Faz falta ao génio luso esse desiderato, tal é a fuligem austera e pessoanamente tímida que nos acompanha aqui e ali. Mas agora vamos finalmente ter direito a espectáculo e, portanto, vamos poder rir ao vivo diante do imprevisível brilho acrobata dos seus mentores. Para já há algumas notas preambulares a realçar: o discurso de tomada de posse do novo primeiro ministro. Uma compulsão de enganos, desacertos, silêncios, troca tintas e troca páginas com acertos de ritmo e alguns princípios engalanados com montagem de contra-campo. Um delírio que Santana pôs em cena conseguindo não ser e não dizer como é e como diz. Um primor. Antes já o PR tinha dado o dito por não dito. Depois de há uma semana se ter envolvido visceralmente com a solução governativa, agora repetia três vezes com oratória diversa que nada tinha a ver com os desígnios de Santana. É a táctica do oxímoro emocionado. Também não pode ser esquecida a talha dourada de areia fina que foi esse gesto de diversão maior a anunciar uma descentralização territorial de ministérios. Como se o terrítório e a reivindicação tantas vezes alvar dos edis tivessem alguma relação palpável com a real descentralização: imaterial, informática e resultante de reforma laboral radical (que nunca ninguém teve coragem de realizar até hoje). Há ainda a careta do menino Portas, fruto daquele tipo de deixas mal trabalhadas nas récitas de finalistas dos liceus. Há ainda a face premonitória de Nobre Guedes a evocar o estado do ambiente desde o Terciário. Há ainda Telmo Correia no Funchal a falar da volta ao Algarve em tartaruga. Há ainda a redenção kitsch de Sócrates ("invulgarmente astuta na gestão das fórmulas", como afirma EPC que tudo sabe e domina). Há ainda o restauro como proporção contemporânea da cultura. Há ainda os tiques de pose de estado dos que entram (amigos, figos e compromissos) e o exposto alívio dos que saem. Alguns, deve dizer-se, de vez e sem paciência sequer para partilhar uma caracolada com a malta do Politeama. Pois é: Passa por mim no Vazio.