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quinta-feira, 17 de junho de 2004

Estranheza

Referindo-se à sua nomeação para a missão permanente na Unesco - que aproveito sinceramente para saudar -, afirma José Pacheco Pereira no seu Abrupto:

Como é óbvio, depois de tomar posse, e dada a natureza do cargo, não tem qualquer sentido continuar a ter um papel activo no comentário político. Já de há algum tempo tenho estado a preparar essa situação nos órgãos de comunicação social onde colaboro. Escreverei sobre outras coisas, sempre que tenha oportunidade, e continuarei o Abrupto dentro desses condicionalismos. É um silêncio que desejei e escolhi, após anos e anos de voz muitas vezes solitária. Haverá outros caminhos e certamente outros tempos.

Respeito, como é natural. A cada um a expressão da sua própria liberdade. Contudo, este carácter estanque entre cultura e não cultura perturba-me. Não entendo a razão que leva José Pacheco Pereira, sempre disponível para um saudável agir pouco politicamente correcto, a separar de modo estriado o auto-imposto silêncio de cariz político das chamadas "outras coisas". Não será um atributo do nosso tempo misturar os silêncios e os não silêncios de todos os temas possíveis, incluindo os políticos, no espaço público que é comum a todos? Eu creio que sim. Não entendo essas clivagens artificiosas que continuam a desvendar na cultura um qualquer rasgo salvífico que, por isso mesmo, a impediria de conviver com o mais desassombrado ou discreto comentário de ordem política. Este tipo de fronteiras marcadas por conjugações forçadas faz-me lembrar o mito revolucionário dos idos de setenta que levava a separar quem gostava de futebol de quem se dizia ser intelectual. Vou sentir a falta dos comentários políticos de José Pacheco Pereira. E devo confessar que só a entenderei em função do desgaste normal de uma voz que se vê a si própria como (talvez excessivamente) "solitária".