Páginas

segunda-feira, 24 de maio de 2004

Back to Fukuyama?



Francis Fukuyama, em interessante entrevista ao Al-Ahram, fala de um tema que, a prazo, pode vir a tornar-se importante para o Islão. Não é coisa nova. O autor designa-o por uma espécie de neo-“luteranismo” e visaria conciliar a renovação democrática da tradição ocidental dos últimos dois séculos com a complexidade e a multiplicidade da trajectória do Islão (onde a ideia muito residual de democracia, tal com a entendemos no ocidente, acrescento eu, apenas se terá vislumbrado historicamente na tradição diferencial entre as diferentes escolas de direito sunitas).
Seja como for, um dia destes, iniciarei aqui um conjunto de apontamentos sobre o Kalâm, i.e., sobre as tentativas de encontro entre a interpretação racionalizante que adveio da tradução dos gregos, no século IX abássida, e a própria revelação islâmica. As várias escolas envolvidas nesse proto-Iluminismo islâmico, sobretudo a Mu´tazilita, acabariam por ser abafadas pelo devir histórico monossémico, teocrático e opositor da interpretação mais ou menos aberta ( o tawíl). Estes factos são fundamentais, penso eu, para a compreensão do Islão de hoje - nas suas variantes quase ilimitadas - no mundo.
Voltando à vaca fria, na entrevista ao Al-Ahram, Francis Fukuyama refere-se ainda aos mal-entendidos criados pelas (diversas) imagens de democracia a que o Ocidente recorre, às vezes arbitrariamente, para justificar manobras amiúde injustificáveis. Ou, de como o nome do erro não pode ser sempre baptizado pelo próprio epíteto da democracia. Uma questão interessante e a aprofundar noutros contextos.
Em suma, vale a pena ler. Trata-se de uma abordagem lúcida, cosmopolita, projectiva. Só os cristalizados e ofendidos com a ideia (teoricamente possível) do “colapso da história” (no contexto em que foi visionada) é que recusam ler, ainda hoje, a flexibilidade estimulante e a inteligência prática de Francis Fukuyama.