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quarta-feira, 21 de abril de 2004

Memórias Escritas - 2

Escrevia eu há uns três anos:

Hoje em dia, ao falarmos de comunidade já estamos sempre a falar de uma amálgama social que se está a transpor para o domínio da rede complexa que interage, de modo cruzado e quase sempre imprevisto, no local, no global, no regional, on ou off-line. O imaginário está a tornar-se numa inteligibilidade cada vez mais fragmentária e dispersa que é partilhada por crescentes homogeneidades (imagens de imagens) que tentam resistir às identidades fundamentalistas, às cascatas de representações locais, às áreas de fragmentação ou aos hibridismos regionais.
Neste processo de tensões diversificadas, muitas vezes mais célere do que a própria capacidade para produzir discursos que o explicassem, o imaginário torna-se porventura no interface que permite equilibrar a grande disjunção entre verdade e sentido que, para Fernando Gil, constitui o par essencial de metáforas da modernidade. Esta disjunção, segundo o autor de Mediações, é, ela mesma, a tensão "entre a eficácia dos formalismos produtores de conhecimento, que são o traço distintivo da modernidade, e a intimidade das pertenças naturais: a uma língua, a uma comunidade, a uma experiência transmitida" (2001, p. 287).
Por outras palavras, dir-se-ia que o conhecimento e os produtos e práticas tecnológicos a ele associados determinam, hoje em dia, homogeneidades que estão a desequilibrar e, portanto, a pressionar as chamadas "pertenças naturais". Neste abismo mundializado, dominado progressivamente pela "metacidade teleóptica" (Virilio), o papel do imaginário continuará a ser o de uma inteligibilidade, é certo, mas cada vez mais centrada na vertigem e no risco das expectativas e idealidades (que não reconstituem em pleno o ser-dito do mundo e o seu jogo de pressões desiguais) do que na produção de discursos propriamente dita.

Teria alguma razão?