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sábado, 6 de março de 2004

Presente-particípio



Vem a bruma, uma espécie de nuvem alta que envolve a cidade como se fosse um novelo sem fim. E o sol que ainda ontem despertava com a força de um seixo a arder aparece agora rendido ao vestígio de coral acocorado no ressequido tronco de uma das últimas palmeiras. Parece que estou a vê-la, quando Dahab - essa praia do Sinai que quer dizer Ouro em Árabe - de novo avança para mim na memória; é noite e do fundo do mar saem japoneses com barbatanas gigantes, num alarido que alastra subitamente como se todos partilhássemos o mesmo imprevisto aquário. De um momento para o outro, esse instante fantástico e inusitado esvai-se como todo o passado se esvai, involuntariamente, em choque com o presente. É por isso que, num texto, todos os tempos são presente. Um presente-particípio que tem a morfologia informe da bruma, após uma brevíssima esperança de sol. É assim que vão rezando os vaticínios nos primeiros dias de Março.