O dominó de Paul Auster - 4
Diz Fiona no início de Música do Acaso: "Estamos na América, Nashe, A casa da maldita liberdade". Duas páginas depois, diz-se através da voz do narrador: "O dinheiro era responsável pela (sua) liberdade". E o destino de Nashe, o protagonista de Música do Acaso, acaba por se fundir com o jogo, com o dinheiro, com o sacrifício e com uma fixação chamada imolação.
Em Leviathan, a prefiguradora saga (terrorista) da estátuas da liberdade e a queda física de Sachs, enquanto pontos de viragem da narrativa, mantêm e sustentam o princípio de uma fixação que é anterior à fruição da liberdade. De algum modo, em Paul Auster, encontramos materializado aquilo que Vattimo designou por "liberdade problemática". Quer isto dizer que a liberdade, tal como é tratada por Paul Auster, se transforma quase sempre em algo insuportável, parte da curva de um labirinto maior onde a interpretação acaba por esgotar-se, enclausurada que se sente por obsessões e fixações mais profundas que não cabem sequer no sentido das explicações.
Mas não será a disputa de novos horizontes de compreensão - alheios à explicação - aquela que nos domina e dominará, nos próximos tempos, na medida em que a arena da nossa vida se debate cada vez mais com o espectro do hiperterrorismo? Não estará todo o ocidente a conter uma desmesurada tensão entre um estado de fixação ou obsessão e uma tradição de ilimitada vivência da liberdade?
É a literatura a glosar o real. Ou é o contrário?