O dominó de Paul Auster - 2
O que é que legitima a ideia de acaso sempre presente em Paul Auster? Talvez o simples jogo de contrastes Pozzi-Nashe na previsibilidade das ocorrências (em Música do Acaso); talvez a fatalidade imanente atribuída ao pontos de viragem que cruzam todas as narrativas de Auster; talvez o puzzle criado pelo desencadear de enunciações lógicas do tipo "Este encontro não era um acaso" - modo como é apresentado o primeiro encontro aparentemente fortuito entre o Tio Slim e Walter Rawley em Mr. Vertigo; ou talvez ainda as sucessivas elipses na intriga da Cidade de vidro da Trilogia de Nova Iorque, para já não falar das cruzadas astúcias da memória (veja-se o esquecimento de Peter Aaron que o conduz ao conhecimento inevitável de Sachs, no início de Leviathan), ou das falsas analepses - flash-backs - com sabor a prolepses - a previsões -, o que é comum em todo o discurso profético. Ou não será a transgressão da narrativa, em Paul Auster, uma forma de conformar a necessidade do acaso com o destino dos seus próprios personagens? Afinal, a crise é sempre uma espécie de pacto que concede alguma ordem ao mutismo das explicações. O mundo actual, como se vê, tem muito a ver com os argumentos e com as teias postas em jogo por Paul Auster. É a literatura a glosar o real.