Apocalipse today
Entro em Lisboa perto da uma da tarde. Estou quase a chegar à Ponte Vasco da Gama. Olho para a faixa de rodagem contrária e vejo a acontecer qualquer coisa que não devia estar a acontecer naquele momento (segno era, há uns séculos, o que escapava à ordem natural das coisas). Custa a crer mas é verdade: um carro a arder, as chamas elevando-se a uns sete a oito metros de altura e não muito longe distingo ainda um vulto, de pé, a olhar compassivo para o triste espectáculo. O trânsito abranda, mas ninguém pára. E eu chego a pensar que a grande explosão deverá estar iminente (refiro-me ao depósito de gasolina). Passo pelo local e sigo em frente. Não vislumbro a catástrofe imaginada. Fica apenas o fogo que já de si é tão inimaginável.
A grande catástrofe já não é, hoje em dia, a orquestração criada por uma ordem anterior e universal. Agora, qualquer imagem fulgurante é o quanto basta para que possamos inscrever o sentido e o espanto apocalíptico no dia a dia, no vivido, nesta fugaz travessia que é a vida. Como se nota, hoje fiquei com o dia marcado. É assim o terror involuntário.