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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2004

Edgar Allan Poe e o Estado Português



Outro dia, um trabalhador bem vivo e recomendado (do metropolitano de Lisboa) era dado como morto pelo Centro Nacional de Pensões. Hoje, ficou a saber-se que a ADSE emite cartões de beneficiário a utentes já comprovadamente falecidos. Entre a morte e a vida, o estado português parece fascinado por uma via intermédia e goticamente indecisa. Eu diria que Poe anda a ser lido nos meios da função pública. E porquê? Bom,
Poe navegou, como nenhum outro poeta ou escritor, nesse verdadeiro claro-escuro que se espraia entre a vida e a morte, e fez com que os seus continuadores de renome o acabassem por transformar num sinal dos tempos, nomeadamente o indefectível Baudelaire, Mallarmé e o próprio Pessoa que traduziu, mantendo até as rimas originais, o famoso poema do autor, O Corvo, que agora dedicamos ao estado português, ele também, um estranho sinal dos tempos presentes. Aqui vai: “ (...) A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,/ Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais./ Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,/ E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -/ Eu o disse, o nome dela, e o eco disse os meus ais,/ Isto só e nada mais. (...)”. Para que conste.