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sexta-feira, 16 de janeiro de 2004

Tragédia de um esquecimento - 2

Recebi uma mensagem do Nuno Guerreiro da Rua da Judiaria que me tocou. Nela, o Nuno agradece o meu post anterior, Tragédia de um Esquecimento. Contudo, tenho sincera dificuldade em respoder ao agradecimento pela simples razão de que não consigo colocar-me de fora da questão judaica.
Estou por dentro dela e todos os portugueses também estarão (embora não conscientemente; embora ignorante e, às vezes, hostilmente inconscientes desse facto). Essa é, de facto, a outra faceta do paradoxo judaico português. Enquanto que no caso do Islão, ao longo do século XV - nas Ordenações Afonsinas estão prescritas as últimas instruções conhecidas a observar nas mourarias - , houve uma assimilação natural progressiva e sem "noites de cristal" (o próprio Manuelino mudéjar o prova através da mão-de-obra e ornatos utilizados), já com o judaísmo houve um conhecido fim brutal de tipo nazi que a história oficial portuguesa sempre ofuscou e silenciou (de um modo abrupto, antes do 25 de Abril, e, de um modo baço, mas talvez mais hipócrita, hoje em dia).
É uma tragédia do nosso esquecimento, de facto.
Aliás, o meu doutoramento, defendido em Utreque há uma década, centrava-se na análise semiótica da literatura profética oriunda da complexa comunidade mourisca de Aragão; e aí, sim, no caso do Islão mourisco, também houve um final brutal de tipo nazi com expulsão já no início do século XVII. Só que a história e a literatura do levante espanhol nunca tornaram este facto numa espécie de ilha imersa situada na escuridão profunda dos mares mais inatingíveis. É essa a grande diferença.
Portugal adora vaguear sobre uma memória estriadamente obliterada. E foi sobre essa rugosidade que edificou, ao longo de séculos, mil e uma máscaras que não se reconhecem hoje com parte do corpo que é, afinal, o seu.