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terça-feira, 9 de dezembro de 2003

A viagem da blogosfera

Hoje, para chegar a Lisboa, vi-me sob um verdadeiro aquário de chuva. Mas não era constante. Aparecia e logo desaparecia. Ora afogava a atmosfera, ora dava a ver trechos de sol imprevisto. Uma melodia de ritmo quase imprevisível. Ou, se se preferir, a grande montagem alternada do quotidiano.
Por outras palavras ainda: a verdadeira comoção dos elementos.
Vem esta experiência banal e corrente a propósito de uma sinalização que tenho vindo a achar interessante e que regularmente ressurge nas letras do Aviz. Trata-se de um certo apresentar do blogueador, ou melhor, de uma dada cenografia com que o discurso do blogueador deixa à mostra, ou, muitas vezes, não deixa, aquilo que é a (sua) dimensão interior, questionadora, enigmática, patética, instável, comovedora, íntima ou espiritual.
Sei que este atentar ao atrito da alma profunda, ou ao digladiar dos universos mais interiores (e poéticos) é amiúde objecto de alguma castração e inibição. É essa a norma. É essa a regra geral. Normalmente, o blogueador e o seu discurso conformam-se com o registo do quotidiano, com a anotação do intertexto blogosférico, ou com o dar conta de factos que se subsumem ao chamado fluxo das agendas.
Há muito tempo, creio que em Agosto, que eu aqui escrevi que preferia de longe os blogues que criavam a sua própria agenda, o seu próprio pasmo, o seu próprio encantamento individualizado (em óbvia e necessária relação com o mundo que é o nosso, claro).
É evidente que não basta esta orientação autonomizada para que o blogueador passe a apresentar a sua intimidade mais positivamente frágil, porque questionadora e até pasmada face aos enigmas dos pequenos mundos e instantes. Muita da monovisão instalada na blogosfera (sobretudo jovem e baseada na previsibilidade político-judicativa) decorre desta autonomização que, sem dar por isso, acaba por obliterar o que há de mais fascinante numa escrita que se quer interactiva e aberta aos fragmentos e à dúvida do Outro: a sua intimidade mais positivamente frágil e questionadora.
Estou com o Franccisco nesta linha que acede ao outro pela interioridade que sabe e quer interrogar-se no quotidiano, alterando os registos (e o que estes mostram ou ocultam) do mesmo modo como hoje os terríveis aguaceiros e as generosas bonanças foram bons anfitriões da minha solitária viagem.
A blogosfera precisa de mais viagem (e de mais vertigem) que consiga cruzar os socalcos da evidência admirada. Num discurso que atravessa as terras de ninguém que o multiplicam e geram, seria normal que esta adequação entre o pranto profundo e a malha da enunciação se tornasse mais frequente.
Há, de facto, muito caminho e muita experiência ainda a percorrer nesta nossa casa sem perímetro que é a blogosfera.