Incompreensões face à rede
Carmen Cisneros
Num artigo de opinião que hoje assina no Público, Helena Matos afirma: "Não sei se por causa do distanciamento inerente ao suporte "on line", se pelo anonimato ou ainda pela informalidade coloquial que caracteriza a linguagem de muitos deles, encontramos nos blogues considerandos que os seus autores dificilmente assinariam num página de jornal ou profeririam numa televisão".
Concordo no essencial com o que diz no seu artigo, após este preâmbulo. Mas, justamente, é no preâmbulo que Helena Matos mostra desconhecer a razão pela qual os blogues se pautam, ou podem pautar-se, por certos registos. Não é devido ao alegado "distanciamento" (face a quê?), "anonimato" (face a quem?) e "informalidade coloquial" (ela, muito mais uma consequência do que uma causa) que os blogues assinam o que assinam, independentemente do teor que os anima a escrever o que neles se escreve.
Aquilo que Helena Matos descreve por "distanciamento"/"anonimato"/"informalidade coloquial" mais não é do que um tipo particular de texto, ou de registo, que vive da e para a interacção imediata, instalando na sua enunciação uma lógica de rede, não se subtraindo a um código tão pesado e restritivo como o que gere o mundo off-line tradicional e, sobretudo, vivendo num regime mais desarticulado, figurado e aberto (o texto dos blogues nunca está acabado, nunca se rege pelo organicismo totalizante, ou por uma arquitectura em que toda a morfologia apareceria resolvida).
Para muitos cronistas que vivem apenas do registo off-line, no quadro de um processo afirmativo de opinião e de individuação, o mundo dos blogues continua a ser um desacerto, um corpo estranho, ou uma maquinação mais ou menos simplista (e caricatural) que, de quando em quando, estorva a sua capacidade tradicional de iniciativa e agenda.
Andam tão longe da rede omnipolitana em que vivemos que nem reparam como se assemelham, às vezes, a um Tertuliano, ou a um Cassiano, que defendiam, no seu tempo, a existência de um inapelável fosso entre a "Scriptura" (o corpus de textos sagrados) e a "litteratura" (corpus de textos pagãos, seculares, coloquiais).