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terça-feira, 9 de setembro de 2003

O 11 de Setembro revisitado - 5

Dizem os novos conservadores que o mundo nunca mais vai ser o que já foi. Pura redundância, até porque sempre o disseram. Só que, noutros tempos, os conservadores tinham horror às tecnologias e às cavalgadas que tinham como meta as inovações racionais ao arrepio de uma certa ordem herdada e adquirida ao longo das eras. Mas, nos dias que correm, os novos conservadores têm outras memórias e desaires e, por isso mesmo, não querem aceitar as circunstâncias do presente, não querem encarar as realidades do mundo actual e, sobretudo, não querem de modo nenhum compreender que foram (ou julgaram ser) revolucionários num mundo que já não existe. Eternos credores de desígnios defuntos.
É verdade que o pós-Segunda Grande Guerra Mundial criou uma nova disposição legal para aquilo que, à época, ainda era uma noção centrada e certinha, ou seja, o Estado-nação. A Carta das Nações Unidas foi, desde esse reatar da mais recente história da humanidade, uma espécie de Magna-Carta ou de Constituição reguladora do que passou a designar-se por Comunidade Internacional. Os vetos, os membros efectivos do Conselho de Segurança, os diferendos e as crises mundiais, as dissuasões e as desmedidas hipocrisias da guerra-fria, tudo isso se passou a basear nesse instrumento que, há cerca de meio século, assumiu a tentação de reordenamento do planeta. A partir dessa altura, pode também afirmar-se que o mundo nunca mais foi o mesmo.
A queda do muro de Berlim é um facto simbólico que conduziu ao colapso das traves mestras onde todo este edifício assentava. Tal facto libertador, ou, mais geralmente, o facto de as ideologias e outras referências pesadas terem deixado de mobilizar as sociedades contribuiu para um mundo subitamente mais aberto, mais plural e com apetências para a reinvenção democrática. A estas alterações juntou-se uma outra que se traduziu pela entrada em cena de novas tecnologias, através das quais o mundo passou a ser codificado de um modo meteórico e sem precedentes. A legalidade de pós-1945 nunca mais foi a mesma durante esta fase que fez da década passada uma arena em que surgiram novos tipos de conflito (Golfo, Chechénia, Guerra civil da ex-Jugoslávia, Guerra do Kosovo) e de desafios (a mundialização das instituições, a nova economia, as inquietações ambientais globalizadas).
O 11 de Setembro, aceite-se ou não, é um acontecimento ainda a decorrer que veio alterar profundamente a já frágil legalidade criada no pós-1945 e que, entre 1989 e 2001, hibernou em atmosfera pouco estável. Subitamente, o espectro do hiperterrorismo, a ameaça do terrorismo nuclear e a sistematização de novíssimos tipos de violência (mormente suicidária) vieram preencher o quadro incipiente onde uma nova ordem mundial tentava edificar-se. É no seio desta turbulência, própria dos períodos de transição entre duas legalidades duradouras, que a actual guerra iraquiana ocorre. O cruzamento de opiniões, as palavras de ordem cruzadas, os antagonismos da opinião pública e as imagens em tempo real da guerra - que chocam particularmente o Ocidente por herdar dois séculos de humanismo racionalizante - inserem-se neste quadro de turbulência e, portanto, de difícil objectivação das novas realidades.