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sexta-feira, 5 de setembro de 2003

O 11 de Setembro revisitado - 1

Portugal é parte integrante da NATO há muito tempo. Esta vertente Atlântica da defesa faz sempre mal a muita gente. Para muitos é uma alergia ainda dos tempos da guerra fria, para outros é um vírus anti-americano que prefere ver na Europa uma grande Suíça sem compromissos e submete a sua defesa e a da democracia a uma retórica sobretudo autofágica. Ter o privilégio de viver em democracia é, para esses pacifistas de conveniência, um dado adquirido e acabado, como se a defesa da democracia e a sua permanente construção não fosse um processo e um percurso complexos, tantas vezes reversível. Não aceitar uma defesa efectiva da liberdade e da democracia, cedendo aos que ao diálogo preferem a cultura do terror e da morte, pode ser trágico. O prenúncio criado pelo 11 de Setembro de 2001 demonstra-o cabalmente. Viver em democracia para a denunciar permanentemente, recorrendo aos expedientes anti-americanos, aos truques hipocritamente legalistas e à apologia de uma neutralidade suicidária, continua a ser o apanágio de muitos. Entendo-o como um luxo que o Ocidente se dá a si próprio. Um luxo que é próprio da liberdade e das democracias criadas nesta área do globo em que nos encontramos, isto é, neste intercontinente Euro-americano. No mundo de hoje, baseado na logotecnia, no instantanismo tecnológico e na actualidade global, a democracia está, no dia a dia, a inventar-se a si própria com uma celeridade sem predecentes nos últimos dois séculos e meio. E vai ter que fazê-lo, cada vez mais, não só contra a cultura do terror e da morte que grassa no planeta, mas também contra todo o tipo de apaniguados da desconstrução democrática que habitam e respiram no privilégio da própria democracia. Essa é, em última análse, a maior lição que o 11 de Setembro nos lega, passados que são já três anos do seu prenúncio. Até porque o 11 de Setembro não foi apenas um facto, uma ocorrência, um evento. Ele foi e é um o encetar de um novo quadro em que estamos compelidos a viver. Nele se esbatem tipos de vida, modos de agir, definições de valores e parâmetros civilizacionais. Esquerda e direita são tradições que já não se bastam para traduzir este novo arquétipo de separação de águas. Porque, ou se sentiu o 11 de Setembro como um fait-divers localizado e contextualizado historicamente, ou se viu nele um ataque corrosivo a uma forma de vida com que nos identificamos: a democracia. Confesso que estou claramente deste último lado. Ao contrário do que ocorreu na dácada de noventa (pós-dicotomias USA-URSS), altura em que as posições se relativavam com amplitudes significativas, dando corpo a teorias pós-modernas e descontrutoras dominantes na época, hoje em dia tornou-se insuportável não tomar claramente uma posição e ocupar um campo. Não de forma rígida, estriada ou emocional; mas Sim de forma convicta, decidida e argumentada. Continuar a assobiar ao sabor do vento, procurando na brisa o confortável e dominantemente correcto é posição que, no dia a dia, mais desvalorizo. Infelizmente, basta abrir muitos jornais para ler e reler esse intertexto sem fim de tipo LeMondeano que bloqueia o pensamento, que anestesia o perigo e que abre espaço à ligeireza mais reaccionária (a conotação das palavras está sempre a mudar como explicou, há quase sessenta anos, Louis Hjelmslev).