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sábado, 23 de agosto de 2003
Aforismos servidos à noite
Diga-se o que se disser, existe sempre um momento em que agir é já o próprio esquecimento de temer fazer ou agir. E assim nos cumprimos e chegamos a ser, talvez para cuidar da matéria do próprio e talvez inevitável esquecimento. E esse caminho que leva, a dada altura, a ter que fazer, a ter que sobreviver, é, provavelmente, o que faz do homem um ser.
Escrever um romance é descobrir o porto de abrigo de ondem partem sobretudo fantasmas (para Isidoro de Sevilha, fantasma é toda a imagem que formamos a partir de uma imagem desconhecida, “apariencias de un cuerpo liberadas de la sensación corpórea”)
Suspender a estrada da dúvida e saber olhar em frente, durante alguns segundos. Quando o jogo e a fúria desenham a silhueta quase visível do mundo. Nesse local incerto e aberto pela imaginação, saltar, enfim, de plano a plano, até encarar a luz inocente que a grande árvore da vida fez esquecer. Que esse breve voo possa alimentar o dissabor do tempo contínuo e homogéneo. Que esse breve perpetuar possa levar a discorrer ao longo do desmedido desacerto com que se pensa o conhecimento e com que se abisma a ficção. Que essa breve miragem possa fazer esquecer, sob a forma de riso, o coração milenar do primeiro porto de abrigo.