quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Cerveja e literatura - 30

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Um romance português à Kerouac do final dos anos oitenta. Bem mais confessional. E pronto a "gastar a noite" com cervejas:
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Flagstaff, Arizona. Um dia de arrasar. O resto do deserto. Monument Valley, como se tivesse sido criado apenas para o John Ford ali situar os seus westerns. Arranha-céus de rocha recortados no horizonte. O Grand Canyon, paisagem lunar sulcada por uma serpente sinuosa com a forma de rio. Dead Horse Point. Ponto onde os mustangs eram encurralados. Quando finalmente arranjámos hotel, era já demasiado tarde para outra coisa que não fosse comer hamburgers na cafeteria. Derreados de cansaço e pó, gastámos a noite a beber cervejas na varanda. Uma rotina a instalar-se nos nossos exercícios nocturnos. O Rogério e a Lena repetindo escaramuças sem fim. Uma espécie de ruído de fundo a que se não presta atenção. A Maria José trocando comigo palavras sobre o nosso dia. Lançando os planos também para o dia seguinte. Activa apenas a Clara, num frenesim de desenhos, notas visuais fazendo as vezes de uma máquina fotográfica. E recolhemos cedo. Desta vez, foi a Maria José que me desafiou a ir até ao quarto dela: for same serious drinking. O que fizemos até cerca da uma. Eu a falar, ao de leve, de Portugal, do meu trabalho, de pequenas coisas quotidianas. A Maria José a falar, ao de leve também, do que tinha sido a sua vida na América. Nenhum de nós disposto a abrir ao outro muito mais do que a sua face mundana.”
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(Paulo Castilho, Fora de horas, Publicações D. Quixote, Lisboa, 1989, p.117)