domingo, 25 de janeiro de 2004

Bomba Inteligente: o serviço público

Pedi à Charlotte que me desse a oportunidade, na sua óptima "Etimologia hebdomadária", de confrontar o conceito de Peirce de "abdução" (conjectura) com "apagogí". Eis a explicação:

"Apagogí (este último "i" lê-se "ê" e é escrito com um eta, que corresponde graficamente ao nosso "h") é um vocábulo composto pela preposição apó, que expressa afastamento, distância (de) e pelo verbo ágo (este "o" é um omega), que significa conduzir. O correspondente de apagogí seria em latim abduco: ab + duco, cujo significado corresponde ao grego. O rapto, ou a abducção, não será uma interrupção, um desvio num caminho? Tirar algo de um sítio em que habitualmente está para pôr noutro menos habitual? Já se fizeram teorias da linguagem com menos."

Eis, agora, o conceito de Peirce, tal como aparece exposto na sua Sexta Conferência de Harvard (1903):

"A abdução é o processo de formação de uma hipótese explicativa. É o único tipo de operação lógica que introduz uma ideia nova; de facto, a indução mais não faz do que determinar um valor, enquanto a dedução se limita a desenvolver as consequências necessárias de uma hipótese pura. A dedução prova que algo deve ser; a indução mostra que algo é actualmente operativo; a abdução apenas sugere que algo pode ser. A única justificação da abdução reside em que, a partir da ideia que ela sugere, a dedução pode inferir uma predição que pode ser indutivamente testada, e ainda em que, se queremos aprender algo ou compreender os fenómenos, é através da abdução que o podemos fazer. Tanto quanto posso ver, não podemos encontrar-lhe uma razão; e de facto ela não necessita razões, visto limitar-se a fornecer sugestões. Um homem deve estar completamente louco se negar que a ciência fez muitas descobertas verdadeiras. Contudo, qualquer aspecto das teorias científicas que hoje se encontram estabelecidas foi obtido através da abdução. Mas como é que todas essas verdades foram iluminadas por um processo no qual não existe compulsividade nem sequer tendência para a compulsividade? É por acaso? Considere-se a multidão de teorias que poderiam ter sido sugeridas. Um físico constata no seu laboratório um novo fenómeno. Como é que ele sabe que apenas a conjugação dos planetas tem a ver com esse fenómeno, ou então que a sua explicação não se deve à imperatriz viúva da China ter, por acaso, pronunciado há aproximadamente um ano uma palavra com poderes místicos, ou ainda que ele não se deve à presença de um certo espírito invisível? Pense-se nos triliões de triliões de hipóteses que poderiam ser avançadas, de entre as quais apenas uma única é verdadeira (...)"
(Tradução de A. Machuco Rosa, Antologia Filosófica, I.N.C.M., 1998, p. 221).


Deixo o comentário para outra altura. Logo que puder. Estou cheio de trabalho neste momento!